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A injustiça com as mulheres violeiras

vinimunizviola

25 de junho, 2023

Mulheres violeiras

Você gosta de viola caipira, certo? Acredito que tenha consciência do quão popular é esse instrumento no Brasil, verdade? Então me diga: o nome de cinco violeiras solistas? Vou te desafiar mais: diga o nome de 5 mulheres violeiras solistas da mesma época do Tião Carreiro, Bambico e companhia?

Não conseguiu, não é mesmo!

Pois é…

O problema é muito mais grave do que se imagina.

Vem comigo que te mostro como a viola caipira foi praticamente inacessível às mulheres durante séculos, e ao mesmo tempo como esse cenário felizmente vem sendo transformado com o surgimento de violeiras incríveis.

De bate pronto, já te posso dizer: o mundo da viola caipira, infelizmente, carrega fortes traços de machismo e desigualdade de gênero. Como homem, violeiro, digo isso com muita tristeza pois é algo que só podemos consertar daqui pra frente. O nosso passado sempre carregará essa marca.

Duro ouvir isso, não é mesmo?

Porém é bem fácil entender a partir de comparações simples.

Mulheres violeiras

Se olharmos para outros instrumentos, veremos que a presença feminina esteve presente no último século. Por exemplo, o irmão (ou filho) da viola, o violão, conta com muitas representantes, seja no violão clássico: Ida Presti, María Luisa Anido, Maria Lívia São Marcos ou no violão popular: Rosinha de Valença e Joyce Moreno para dizer algumas.

Em outros instrumentos também é assim: grandes instrumentistas brasileiras construíram um enorme legado para a música no país: Chiquinha Gonzaga, Lea Freire, Odette Ernerst Dias, são alguns dos nomes que me ocorrem de bate pronto. Mas há muito mais.

Agora, vamos pensar aqui: A viola tem aproximadamente 700 anos e veja que estou tomando como recorte os últimos 100 anos. E por que? Pois é nesse período que ocorre a difusão da indústria fonográfica, das gravações, das rádios. Os primeiros registros de gravação da música caipira, os lendários discos do Cornélio Pires, foram feitos em 1928, ou seja, em 5 anos celebraremos os 100 anos do nascimento do gênero da música caipira, da música sertaneja, que ao longo desses período se tornou o maior, em números de venda de discos, e até hoje, o gênero mais difundido comercialmente.

E qual o papel das mulheres nisso? pois basicamente às mulheres restaram cantar. Há uma infinidade de duplas mistas ou duplas femininas na história da música caipira com um repertório maravilhoso. Eventualmente, alguma dessas intérpretes empunhavam um violão ou uma viola para acompanhar o canto, mas o nosso foco aqui é dimensão de instrumentista solista de viola caipira, reconhecidas pelos solos, introduções, ponteios. Tal qual Tião Carreiro, Bambico, Goiano entre outros que atuavam em suas duplas, mas também ganham notoriedade também como instrumentistas. Ora, se as mulheres também estavam presentes cantando em duplas, e em um número razoável, por que praticamente nenhuma delas ganhou notoriedade como solista?

E digo, “praticamente”, por que há algumas exceções: Inezita Barroso, Helena Meirelles e Dorothy Marques

Essas três maestrinas são tão gigantes e maravilhosas dentro da música brasileira que cabe fazer videos exclusivos somente para elas. Mas no video dos 6 discos fundamentais que você pode assistir aqui, comentei o caso de Dona Helena que durante toda a vida teve a viola negada, pois tocar viola era coisa de homem. Então, ela, firme no seu propósito, resolve fugir de casa para poder aprender e tocar. Pare um minuto para pensar nisso: fugir de casa para poder tocar viola…

Não faz nenhum sentido, que um dos instrumentos mais populares do país não tenha representantes mulheres no seu passado.

Pesquisando um pouco mais encontrei alguns poucos relatos de mulheres violeiras. Um dos mais interessantes é o do Seo Manoel de Oliveira, o Seo Manelim. Mestre violeiro lá do sertão do Urucuia, Minas Gerais. Foi ele quem guiou os passos do grande Paulo Freire.

Em uma entrevista ao violeiro Cacai Nunes, ele começa assim:

A mulher a quem se refere seu Manelim se chamava Onora Martins Alves. Seu Manoel nasceu na fazenda Santa Cruz, em Porto de Manga, antigo distrito de São Francisco, noroeste de Minas Gerais. Seus pais eram agregados dessa fazenda e em algum momento da vida, ele foi adotado pela proprietária do lugar, a Onora Martins Alves que era violeira. Segundo seu Manoel, ela faleceu entre 1950 e 1951 e sua viola acabou ficando com ele, pois ela, passado esse momento inicial de proibição, percebeu o encanto que o instrumento causava ao menino Manoel, com 14 anos nessa época.

Interessante esse relato… primeiro, por haver mulher violeira no sertão do Urucuia. Talvez existam mais. Depois o fato dela ser a proprietária da fazenda e talvez por isso não tenha sofrido restrições para aprender o instrumento. Ou será que sim? Difícil saber. Seu Manoel, décadas depois se tornou uma importante fonte da viola caipira, um mestre importante, porém sua professora, não. Desse relato, não houve muito mais investigação, pesquisa nem nada. Será que se ele tivesse aprendido com um mestre violeiro não teríamos ido atrás de saber quem era?

O fato é que mesmo que existam mais violeiras no passado, todas ficaram ocultas. Restritas a relatos perdidos no meio da história…

E isso é uma marca na história do instrumento que teremos que levar para o futuro.

Mas o futuro, felizmente é muito promissor, (assim espero e por isso quero batalhar) rumo a igualdade de gênero.

Há cerca de 10 anos vamos descobrindo maravilhosas violeiras produzindo músicas, solos e interpretações incríveis, com os mais variados estilos.

Adriana Farias, Juliana Andrade, Claudia Moráis, Carol Carneiro, Bruna Viola, Pâmela Viola, Letícia Leal, Paula de Paula, Cecília Viola, Marina Ebeccke, Vitoria da Viola, Marcela Costa, Fabíola Benni, Dayanne Reis, Jaqueline Carvalho e muitas e muitas outras mulheres violeiras incríveis

Eu poderia e gostaria de ficar aqui fazendo essa linda lista que tanto me alegra e me enche de esperança.

Por certo, por nossa parte aqui no vm.lab, assumimos o compromisso com a divulgação, o apoio e a expansão do universo das mulheres na viola brasileira de dez cordas.

Então, para começar, gostaria de comentar o trabalho de duas jovens violeiras que se dedicam à música instrumental: Lais de Assis e Mel Moraes.

Lais de Assis

A primeira, a Lais, é natural de Recife, Pernambuco. Formada em viola e violão popular pelo conservatório pernambucano com orientação do mestre Adelmo Arcoverde. E depois completou seus estudos na Universidade Federal da Paraíba, onde realizou um mestrado em etnomusicologia.

A Laís, assim como as outras violeiras, toca muito! Em 2021, lançou esse disco aqui, o Ressemântica, todo com composições próprias que se localizam entre as tradições da viola nordestina, mas apontando para uma universalidade. Com uma instrumentação bastante variada, entre rabeca, tuba, violas e trombone. Destaque para a produção musical de Yuri Queiroga que conseguiu unir a viola de Lais com efeitos e elementos de eletrônica muito bonitos.

Outro destaque são as poesias de Graça Nascimento feitas para o disco que justamente reverenciam o feminino. Lindo demais!

A segunda metade do disco é um espetáculo. Uma viola forte, que aponta para um belíssimo futuro. E esse é apenas o seu primeiro disco. Vá lá ouvir.

Mel Moraes

A outra jovem violeira que quero destacar aqui, começando esses trabalhos de divulgação da música de viola de dez cordas a partir da produção das mulheres, é o da Mel Moraes.

Mel Moraes, a Melissa Moraes, tem somente 24 anos, mas já demonstra uma musicalidade impressionante. Paulista de Socorro, mas agora residente em Bueno Brandão, Minas Gerais, começou a tocar viola em projetos locais de ensino do instrumento. Atenção gestores públicos: vejam como é importante que cada cidade ofereça isso à população!

Mel lançou este ano seu primeiro álbum, INSPIRAÇÕES e já começou com viola solo, algo que não é simples. Sustentar todo o repertório apenas com um instrumento. E ela fez isso brilhantemente. O que se escuta é uma música muito livre, cheia de caminhos harmônicos surpreendentes no qual também podemos ir percebendo suas influências, seja de Almir Sater, Tião Carreiro, Arnaldo Freitas, Rogério Gulim. Em seus videos no instagram, Mel quase sempre mostra trechos de músicas novas, o que demonstra como o impulso composicional é forte nela. E que siga assim!

Essas são apenas duas das muitas expoentes que apontam para um futuro que esperamos que seja muito mais equilibrado, no qual as mulheres tenham também todo o protagonismo.

Mas isso depende da gente. Depende de que nós escutemos suas músicas, valorizemos seus trabalhos, da mesma forma que fazemos com os trabalhos dos violeiros.

Então vai lá! Faça a sua parte. Vai lá ouvir a música delas. Se quiser, comente no instagram delas que você viu esse video. Assim vamos alimentando essa rede de comunicação.

Na descrição deixei o link para encontrar várias violeiras. Vai lá navegar!

A viola tem uma história muito longa, cerca de 700 anos. Já passou da hora de que ela seja também contada pelas mulheres.

Bom é isso!

Não se esqueça de se inscrever, pois estamos começando os trabalhos e precisamos da sua ajuda para seguir em frente. Compartilhe esse video com mais pessoas!

Um forte abraço e até a próxima.

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